Muitos hoje em dia falam em "justiça social"; alguns chegam mesmo a alegar que seja alguma espécie de direito humano imprescindível. Mas o que significa essa tal "justiça social"?
O próprio termo é equívoco, invertendo a ordem natural das coisas. Afinal, o termo "justiça" pareceria indicar que atualmente ocorre uma "injustiça" - que a distribuição supostamente
natural eqüitativa dos recursos teria sido deturpada por capitalistas ávidos e/ou plutocratas malvados e/ou a classe média egoísta, de modo que alguns sempre ganhem
injustamente mais do que outros. De acordo com os apólogos da tal "justiça social", os recursos deveriam ser distribuídos de modo mais igualitário entre todos os cidadãos de um país, ou, nos casos mais extremos, entre todos os habitantes do mundo.
Porém, ao contemplar o conceito, observamos rapidamente duas coisas: a primeira é que a ordem natural do mundo
não é nem nunca foi a distribuição igualitária de recursos, mas exatamente o contrário.
A ordem natural é a desigualdade. Isso pode ser considerado bom ou ruim dependendo da ideologia de cada um, mas é um fato. Nunca, em nenhum momento da História humana, houve uma distribuição igualitária de recursos materiais: mesmo no Neolítico certamente os mais fortes tinham maiores vantagens na obtenção de alimentos ou de fêmeas. (Aliás, o próprio conceito de "distribuição de riquezas" é absurdo, já que a riqueza é um valor dinâmico, criado a todo momento: não há um número X de recursos a serem distribuídos igualmente entre todos, como notas do Banco Imobiliário).
A segunda coisa que observamos é que a tal "justiça social", se aplicada na prática, seria na verdade
extremamente injusta. Por que a distribuição de recursos deveria ser completamente desligada de qualquer esforço ou mérito? Por que deveria alguém que estudou ou trabalhou por anos a fio, à custa de imenso esforço pessoal, ser igual a alguém cujo
curriculum vitae se resumiu a matar aula, roubar, beber cachaça e assaltar ou mendigar pelas ruas? Na União Soviética um operário (categoria celebrada pelo regime, ao menos no momento inicial) sem grande formação ganhava o mesmo ou
mais do que um médico com anos de estudo. Era isso mais justo?
Evidentemente, não estou querendo dizer que os ricos sejam ricos exclusivamente por mérito ou talento; em grande parte dos casos, não é assim (ou depende do que se considere "talento"). Tampouco é verdade que a maioria dos pobres o seja por escolha (embora, em muitos casos, isso ocorra, ainda que sejam escolhas inconscientes). Mas, mesmo que consideremos tal distribuição "injusta", é o modo em que as coisas ocorrem. Quem é a elite esclarecida que deve decidir o que é socialmente "justo" e o que não é? Uma redistribuição igualitária forçada da renda não seria ainda mais "injusta", ao menos para quem perde seu rico dinheirinho?
"De cada um conforme sua habilidade, a cada um conforme sua necessidade" é a resposta marxista, o ditado que tornou-se lei para a
inteligentsia internacional. Mas esta é na verdade uma receita infalível para produzir a degradação social. Distribuir de acordo com a mera necessidade, sem qualquer contrapartida, apenas aumenta o problema. Uma redistribuição de recursos que não leva em conta qualquer tipo de mérito, educação ou esforço, que tira do "rico" (isto é, na verdade, da classe média, já que o rico deposita em paraísos fiscais ou passa a conta ao consumidor) para dar ao "pobre" (pobreza é sempre relativa, lembrem-se) apenas para manter uma menor desigualdade social pode tornar-se, na verdade, extremamente prejudicial para a sociedade como um todo e gerar a perpetuação dos mesmos males que pretende combater.
É curioso que os esquerdistas, tão críticos do capitalismo, sejam na verdade as pessoas
mais materialistas do mundo. Para eles, felicidade ou infelicidade parecem resumir-se exclusivamente à posse de recursos materiais. Além disso, a questão moral evade-os completamente. Tanto faz um pobre ser criminoso, pedinte, estudioso ou trabalhador: o que importa é que tenha os mesmos recursos do rico ou da classe média, não importando a origem do dinheiro. Não espanta que os mais radicais cheguem a ver o crime meramente como uma forma de obter a tão sonhada "justiça social". Os fins justificam os meios: seja o roubo governamental (impostos, nacionalização) ou privado (assalto a mão armada), o importante é redistribuir.
Estou lendo "
Life at the Bottom", do freqüentemente citado aqui Theodore Dalrymple. É um livro que deveria urgentemente ser traduzido ao português. Embora se refira ao caso britânico, é impressionante observar como muitas das patologias referidas aplicam-se, em proporção ainda maior, ao caso brasileiro. Neste
link pode ser lido um dos ensaios do livro, que trata justamente da questão da pobreza, ou da suposta pobreza de certas camadas da população inglesa (já que sua "pobreza" em nada se iguala à brasileira), e dos malefícios do
welfare estate, o qual acaba com a (sempre relativa) pobreza material, ao mesmo tempo em que prende os seus recipientes em um círculo vicioso de dependência do qual poucos sairão.
Uma das coisas mais importantes que o livro mostra é como pobreza, felicidade e escolhas morais estão intimamente ligadas, e que a tentativa de dissociar completamente a obtenção de bens materiais ou benefícios públicos de qualquer mérito ou esforço termina por promover aquilo mesmo que quer evitar.
Dalrymple observa como, ao dar casas gratuitas para "pessoas-problema" como mães solteiras, alcoólatras, violentos, criminosos e drogados, o Estado inglês está na verdade promovendo (e os números comprovam) o aumento de mães solteiras, de alcóolatras, de violentos, de criminosos e de drogados. Afinal, todas essas atividades compensam. Trabalhar ou ser um bom cidadão compensa bem menos, já que estes não recebem ajuda. Em muitas cidades da Inglaterra e algumas dos Estados Unidos, por exemplo, é mais conveniente viver do seguro-desemprego do que trabalhar. De fato, esforçar-se para procurar emprego e trabalhar resulta antieconômico, já que ganha-se a mesma coisa.
Mas assim também acaba-se com a ambição e a conseqüente mobilidade social: para que estudar ou trabalhar se é melhor viver confortavelmente sustentado pelo Estado? O bolsa-família (que é ainda o menor dos problemas) e outros processos assistencialistas mais negativos (por não exigirem qualquer dever) e tão típicos da América Latina, geram um processo similar de dependência e imobilidade social. Melhor uma sociedade de classes com alta mobilidade, ou uma sociedade supostamente mais igualitária mas com castas imóveis das quais é praticamente impossível sair?
Mas mais nociva ainda - particularmente no caso latinoamericano - é a relação entre o
crime e a falta de responsabilidade individual (todos querem direitos; poucos querem deveres) gerada pelo
coitadismo, outra gritante patologia moderna que deveria ser analisada em detalhe. Falarei sobre esse tema mais adiante.