segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A insanidade intelectual

A recente polêmica entre Pedro Dória e Olavo de Carvalho fez vir à tona um terceiro e obscuro personagem que aparentemente quis aparecer à custa dos outros dois. Assina como Leonardo Bernardes e acredito que seja um estudante de Filosofia ou de História. (*)

Não importa; tampouco me interessa a polêmica em questão. Mais interessante foi clicar no texto de autoria do mesmo indivíduo chamado "Considerações sobre o aborto", onde lemos esta longuíssima frase (nosso amigo parece não ter estudado ainda os sinais de pontuação):
O fato de atribuirmos vida ao feto em formação no útero não é motivado pelas conformidade às descrições regulares de identificação da vida que se aplicam aos humanos já nascidos, poderíamos, a partir da complexidade dessas descrições, sublinhar as diferenças ao invés das semelhanças, e justificar o aborto alegando incompatibilidade conceitual, a causa desse vínculo é de ordem externa aos fatos do mundo, quer dizer, não se põe no nível de determinação causal, nem retira seu significado dos fatos, mas é própria da natureza de nossa linguagem, de seu caráter convencional, relativa ao modo como, através do uso que fazemos do conceito, organizamos a experiência.
Entenderam? Nem eu. Mas, impávido, noso bravo aprendiz de filósofo vai adiante:
A constituição do significado da vida é arbitrário, quer dizer, não se reporta a nenhum elemento mundano, sendo, ao contrário, condição para que passamos lidar com as coisas as quais esta palavra, vida, está vinculada.
E mais ainda:
O conceito de vida não consiste na descrição de propriedades inerentes aos seres vivos, mas na determinação dessas propriedades. Determinação essa forjada no interior de um discurso, de uma linguagem que se reportam (sic) a hábitos, instituições, a atitudes frente as coisas com que se relaciona. (...) A relação interna entre as propriedades da vida é fruto do arbítrio humano (...) Grosso modo, a vida começa onde queremos que ela comece.
Agora entenderam? Nosso amigo é um relativista de marca maior. Para ele, a "vida" é apenas uma "palavra", um conceito meramente cultural e relativo, que varia com a significação que queiramos lhe dar. Assim, aparentemente, um feto pode ser algo "vivo" ou não de acordo com a ideologia ou cultura de cada um, ou seja, de acordo com o conceito de "vida" que cada um de nós prefira. Para alguns, a vida iniciará após a fecundação; para outros, após o parto; para outros ainda, quando o garoto entrar na faculdade...

Ora, caros leitores. Ora, ora! Qualquer cadela de rua grávida, mesmo que não tenha estudado filosofia, sabe perfeitamente bem que seu feto é um ser vivo. Não há nenhuma questão religiosa, cultural ou semântica ali. Eu poderia distinguir entre "vida intra-uterina" e "vida extra-uterina", ou mesmo discutir os aspectos teológicos e filosóficos da questão, mas do ponto de vista biológico não há dúvida alguma que um feto está "vivo" (caso contrário, estaria "morto".)

Mas o raciocínio de Bernardes é perigoso, pois abre a porta para a justificativa, não apenas do aborto, como de todo tipo de genocídio. Sim, pois se eu posso arbitrariamente decidir se um feto é ou não um "ser vivo", também posso decidir arbitrariamente a quem o conceito de "vida" se dirige. Se a "vida" é apenas um conceito relativo, se começa "onde queremos que ela comece", então eu posso dizer que começa apenas após os três anos de idade; de fato, as crianças menores de três anos, não tendo capacidade de viver sozinhas sem a ajuda de um adulto, são similares aos fetos, e portanto não estariam realmente "vivas". E assim abre-se o glorioso caminho para o "aborto" de crianças ou, quem sabe, a execução de velhinhos com doenças terminais. (Aliás é mais ou menos o que o Peter Singer diz.)

Bernardes é o resultado do que o nosso leitor Chesterton chama de "insanidade intelectual": a crença de que tudo é relativo, tudo é construção, nada vale nada e o todo se equivale a coisa nenhuma.

* * *

(*) Certamente o blogueiro não é estudante de Biologia nem de Letras, caso fosse não escreveria os seguintes absurdos:
Talvez outro exemplo possa ainda ser apresentado: vamos admitir que em algum estágio do desenvolvimento da medicina três critérios fixavam os limites da vida, sendo, pois, referências irrefutáveis à verificação de condições de vida e morte. São eles os seguintes: 1. presença de pulsação arterial, atestando o funcionamento do coração 2. constrição da púpila 3. flexibilidade muscular, em contraposição a rigidez cadavérica.

"CONSTRIÇÃO?!" DA "PÚPILA"?!? (sic) (sic) (sic)

26 comentários:

Anônimo disse...

A Púpila é irmã do Púpilo.
Bem, o caso do amigo aí é sério, quase caricato. Mas mais perigosas são as formas mais sutis de insanidade intelectual. Casos óbvios como esse caem num ridículo de chorar de rir. Está certo, são radicais, isto é, levam suas idéias até a raiz, bem fundo. Tem a coragem que os "sutis" não tem, e por isso se esborracham nas linhas.

Pax disse...

Vocês dois são uma diversão diária. Infalível.

:-)

Anônimo disse...

Pax, a realidade existe ou é fruto da sua mente?

Unknown disse...

A massa do eu é um todo complexo e coeso...

Pax disse...

Qual realidade? Dogmática? Relativa? Perspectiva? Cética?

A de vocês é clara, velho e bom Chesterton.

Pax disse...

Um pouco mais longe, velho e bom Chesterton, pra você Deus existe. É uma realidade. Pra mim não. É uma irrealidade.

E agora José?

Pra vocês Olavão é um filósofo, um grande pensador. Pra mim é um cara com alguma cultura mas cego pelos seus dogmas. Na verdade o acho um tanto fraco e chato pra canário. Independente desse argumento pobre, ad hominem como gostam de falar os metidos, não acredito nos seus fundamentos, sejam astrológicos (sic) ou filosóficos mesmo. A lógica que ele usa é facilemente contestável. Se baseia em premissas, muitas delas que entendo serem falsas. Não gosto de pensar com dogmas, premissas ou axiomas.

E agora José?

Anônimo disse...

Pax, não enrrola, você existe ou é produto da mente? Sim ou não?

Anônimo disse...

premissa que entendo serem falsas (Pax), por exemplo? A realidade não existe?

Pax disse...

Sou um espírito desencarnado evoluído e atualizado, que adotei a modernidade cibernética para tentar recuperar o Mr X do caminho da escuridão.

Isto posto, você decide, você acha que eu existo ou não?

Pax disse...

A influência de Plutão na decisão de Bush invadir o Iraque e produzir centenas de milhares (há quem diga que está na casa de milhão) de mortes pra não ganhar nada, é um bom exemplo de uma premissa que custo a admitir, por exemplo.

Se Plutão estivesse em outro lugar naquele dia, Bush teria outra decisão?

Anônimo disse...

Pax, EU existo. A realidade está lá fora. Pergunte a meu amigo.

http://www.c-avolio.com/

Unknown disse...

E agora para piorar descobri que existe uma versão antimatéria minha vagando por aí. Acho que ao nos encontrar-mos nossas massas já não serão mais tão coesas assim, não!

Anônimo disse...

http://naturalborncitizen.wordpress.com/2008/12/06/urgent-historical-breakthrough-proof-chester-arthur-concealed-he-was-a-british-subject-at-birth/

olha de onde eu reencarnei.

Mr X disse...

O Chester nasceu no Quênia? :-/

E aí, Kct, tá melhor? :-)

Pax, você não existe... :-D

Bom dia a todos!

Pax disse...

Chesterton não nasceu no Quênia não, mas aprendeu sobre a vida numa gruta, a Gruta Azul.

Ao invés do Mito das Cavernas do Platão o Chesterton aprendeu o Mito da Gruta Azul.

Foi engolido por um buraco negro por lá.

Pergunte que ele te explica.

Anônimo disse...

A Gruta Azul é bão......Pax, explica-me o que é isto?


Qual realidade? Dogmática? Relativa? Perspectiva? Cética?

Anônimo disse...

O amigo do Pax é doidão de pedra:
Confissões

Eu tenho um critério deliciosamente objetivo para avaliar os meus textos: não gosto dos que foram feitos há mais de um mês. Sobra muito pouco, mas a vida não é mesmo justa.
Quem me dera ouvir de alguém uma voz humana, que confessasse não um pecado, mas uma infâmia, que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Alguém aí fora sofre do mesmo mal? Alguma voz humana?

http://brausen.blogspot.com/2007/07/confisses.html

Anônimo disse...

Pax, PD anda sumido. Será que está se preparando para a batalha ou fugiu?

Pax disse...

Sei que entrou de férias lá. Talvez esteja curtindo SanFran.

Anônimo disse...

Pax, que festival de realidades foi aquele que você me apresentou? Tem explicação?

Pax disse...

Chesterton, velho e bom Chesterton, siga os caminhos da epistemologia que você chega lá.

Mr X disse...

Por falar nisso, acho que o Djavan tem umas letras que vêm bem a calhar nestas horas de realidades espistemológicas, anti-matérias e quetais... :-/

Anônimo disse...

Gosto mesmo é do Cazuza:
-Uma hora aqui, outra ali
- no vai e vem dos seus quadris

Anônimo disse...

Hahahahaha!

Muito bom o texto.

Unknown disse...

Estou quase Bom MrX! Obrigado!

Anônimo disse...

MrX,
Aventureiro ou não, o tal do Leonardo Bernardes lhe deu uma surra em um novo post! Até eu fieui com vergonha! hahaahah