quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Duas histórias de Gaza

Ontem maniqueísmo, hoje nuance.

HISTÓRIA A

No que parece ter sido um trágico erro do exército israelense, três das filhas do médico palestino Dr. Ezzeldeen Abu al-Aish foram mortas no penúltimo dia da operação em Gaza, quando um tanque atirou contra morteiros vizinhos, atingindo erroneamente a sua casa. O médico, que trabalhava em um hospital em Israel, e que costumeiramente passava boletins à TV israelense sobre os feridos de Gaza, ligou desesperado para o canal de televisão israelense e a ligação foi transmitida ao vivo. Um dos jornalistas conseguiu autorização para entrar em Gaza e, evento inédito nas circunstâncias, uma ambulância palestina foi admitida a cruzar a fronteira. Os familiares feridos sobreviventes foram levados para um hospital em Israel. O dramático vídeo desta tragédia humana pode ser visto no Youtube (reportagem da Al-Jazira aqui, vídeo apenas com o registro do evento ao vivo na TV israelense aqui). Morreram três de suas filhas de 22, 15 e 14 anos e mais uma sobrinha de 14 anos. Outras duas filhas estão sendo tratadas em um hospital em Tel Aviv. O pobre homem está, naturalmente, revoltado.

Em seu blog, Idelber comenta: "Se alguém se julga em condições morais de julgar este pai caso ele decida se converter em homem-bomba, por favor, envie cartas para a redação."

Idelber não costuma responder cartas para a redação, mas, de qualquer modo, não acredito que o bom doutor vire um "homem-bomba". Engana-se Idelber ao pensar que os homens-bomba são vítimas movidas pela "dor" ou pelo "desespero". São movidos pela "glória" ou pelo ódio inculcado e, ao contrário do doutor, são em geral jovens entre 15 e 25 anos.

Em matéria da BBC de 18 de julho de 2001, portanto antes da saída de Gaza e antes mesmo dos ataques de 9/11, há um interessante artigo sobre as "escolas de homens-bomba" na então ocupada Gaza. Um trechinho:
Uma nova geração de crianças, garotos palestinos de 12 a 15 anos, está crescendo no meio do conflito e da violência. Os garotos são informados que não apenas é bom morrer, como também matar.

Mohammed, um garoto de 14 anos, se desenha a si mesmo com explosivos atados ao seu corpo, pronto para se explodir se isso significa matar judeus. "Sim", ele responde quando lhe perguntam se quer ser um homem bomba. "Quero liberar a Palestina e ser parte da revolução". Os garotos são ensinados que dando suas vidas terão garantido um lugar no céu. E ser um homem-bomba é uma das maiores formas de martírio.
A reportagem conclui que, apesar das críticas de Israel a essa propagação do ódio,
o povo de Gaza insiste que trata-se de uma resposta direta à ocupação israelense e que quando os israelenses deixarem o território palestino, as crianças não mais serão incentivadas à violência nem sonharão em tornar-se homens-bomba.
(Israel saiu de Gaza em 2005, mas a propagação do ódio só aumentou.)

HISTÓRIA B

Em 2 de maio de 2004, o carro da assistente social Tali Hatuel, que auxiliava israelenses vítimas do terror e morava na então colônia de Gush Katif, em Gaza, foi alvejado por terroristas palestinos logo após ela ter pego as crianças na escola. O carro saiu da estrada. Os terroristas palestinos aproximaram-se e mataram todos os ocupantes do veículo: Tali, que estava grávida de oito meses, bem como suas outras quatro filhas, de 11, 9, 7 e 2 anos. Os jovens palestinos foram celebrados como heróis em Gaza. Não houve uma única voz palestina oficial criticando publicamente os assassinos.

O marido de Tali, David Tahuel, ficou sabendo do evento pouco depois. Poderia ter reagido atacando árabes com uma metralhadora. Poderia, como pensou, ter se suicidado. Mas escolheu a vida: embora as marcas da tragédia ainda estejam presentes, ele casou-se novamente e tem hoje uma filha de um ano.

MORAL

Há alguma moral da história? Não sei. São duas vidas de civis inocentes, pessoas simples e - quero acreditar - fundamentalmente boas, cujas vidas foram praticamente destruídas pela tragédia de um conflito.

São histórias iguais? Não, não são iguais, mas a diferença não está tanto na reação das vítimas, como naquela das respectivas sociedades (falo mais sobre isso mais adiante).

Não sei quais lições se podem tirar do episódio, se é que se pode tirar alguma. Mas não acredito que a exaltação do "homem-bomba" seja uma delas.

(Nota adicional: as vítimas do conflito árabe-israelense desde 1950 equivalem a 0,06 % das mortes em conflitos em todo o mundo no mesmo período. Se nos limitarmos ao número de muçulmanos mortos por Israel, verificamos que seu número equivale a 0,3% dos muçulmanos mortos em conflitos nesse período. Quem matou os outros 99,7 %?).

11 comentários:

Anônimo disse...

Saddam Hussein certamente matou milhares de vezes mais muçulmanos que os israelenses. O hamas é jovem, mas também matou muito mais.

Nei

Anônimo disse...

Adolescentes.

Aliás, se um dia o Islã tomasse conta do mundo inteiro, será que o cartunista aí do vídeo teria tanta liberdade para fazer suas charges quanto tem no "maléfico" e "demoníaco" mundo imperialista-capitalista-judaico-cristão?

À primeira tentativa de satirizar uma autoridade islâmica e o fio da espada estaria no pescoço dele.

Bah... essa gente.

Anônimo disse...

Putz... esse Latuff, eu já conhecia a figura, é desses sujeitos que me dão tristeza por pertencer ao gênero humano.
Nei

Mr X disse...

O Latuff, além de tudo, é péssimo cartunista. Desenhos ruins e clichê atrás de clichê. Só pra ganhar prêmio em concurso dos aiatolás iranianos mesmo.

|3run0 disse...

X, ai está uma das tais dicotomias que eu acho mal-escolhidas! Considero ridículo chamar este tal Idelber de pró-palestino. Eis um cara que considera os palestinos como um bando de idiotas irredimíveis. Ao contrário do Chesterson, ele acha isto bonitinho. Mas é a única diferença entre os dois.

Respondendo a pergunta dele, sim eu acharia mostruoso se o Dr. Ezzeldeen escolhese abandonar o restante da sua família após esta tragédia para inflingir uma tragédia semelhante à alguma família israelense. O curioso é que eu tenho certeza que o o Dr. Ezzeldeen concordaria comigo. Mas o Idelber não.

Anônimo disse...

Moral, moral, mas moral meeeesmo tem. Se os palestinos acham bunitin morrer, e querem .........(fill in the blanks).

Anônimo disse...

a vingança é própria dos espíritos mesquinhos....

Anônimo disse...

http://br.noticias.yahoo.com/s/22012009/11/entretenimento-matem-na-favor.html

Mais uma na mira dos aiatolices...e o Maradona que se cuide pois eles são ruim de mira, ruim de redação, ruim de leitura....

Estava pensando na acusação...será que eu acho que os palestinos são uns idiotas irredimíveis?

|3run0 disse...

Me diga você. O Idelwhatever certamente acha, mas nunca admitiria isso.

Anônimo disse...

Acho que são vítimas de uma gangue, tal qual favelas nno Rio de janeiro à mercê de milicianos quen praticamente sequestram a população, isto é, a separam do resto do povo. Daí que apenas soluções que envolvam o mesmo ggrau de violência deles pode dar algum resultado.
Quanto aos islâmicos radicais....uns perigosos idiotas irredimíveis.

Mr X disse...

Quem matou mais muçulmanos acho que foram, em primeiro lugar, os próprios muçulmanos (na guerra Irã vs. Iraque morreram alguns milhões, e em vários outros conflitos ou ditaduras árabes que mataram grande parte de seu povo), e em segundo lugar, acho que os soviéticos/russos, primeiro durante o comunismo, e depois mais recentemente quando destruiram com a Chechênia.