domingo, 6 de janeiro de 2008

Poema do domingo

POEMA TEMPORÁRIO EM MEU TEMPO

Yehuda Amichai (*)


A escrita hebraica e a escrita arábica vão do leste para o oeste

A escrita latina do oeste para o leste.

Linguagens são como gatos:

Não se deve alisar o pêlo em direção contrária.

As nuvens vêm do mar, o vento quente do deserto,

As árvores dobram-se ao vento,

E pedras voam aos quatro ventos,

Em todos os quatro ventos. Eles jogam pedras,

Jogam esta terra, uns nos outros,

Mas a terra sempre cai de volta à terra.

Jogam a terra, querem se livrar dela,

Suas pedras, seu solo, mas não podem se livrar dela.

Jogam pedras, jogam pedras em mim

Em 1936, 1938, 1948, 1988,

Semitas jogam em semitas e anti-semitas em anti-semitas,

Homens maus jogam, justos jogam,

Pecadores jogam e tentadores jogam,

Geólogos jogam e teólogos jogam,

Arqueólogos jogam e arqui-hooligans jogam,

Rins jogam pedras e bexigas jogam,

Pedras cabeças e pedras frontispícios e o coração de uma pedra,

Pedras na forma de uma boca aos gritos

Pedras que se ajustam nos seus olhos

Como um par de óculos,

O passado joga pedras no futuro,

E todas elas caem no presente.

Pedras em pranto e risonhas pedras do cascalho

Até Deus na Bíblia jogou pedras,

Até o Urim e o Tumim foram jogados,

E ficaram presos na couraça da justiça

E Herodes jogou pedras e saiu daí um Templo.

Oh, o poema da tristeza da pedra

Oh, o poema jogado nas pedras

Oh, o poema de pedras jogadas.

Existe nesta terra

Uma pedra que nunca foi jogada

E nunca construída e nunca revirada

E nunca descoberta e nunca recoberta

E que nunca gritou de um muro

E nunca foi recusada pelos construtores

Nem colocada em cima de uma tumba

Nem embaixo de um casal de amantes

E nunca se tornou fundamental?

Por favor não atirem mais pedras,

Vocês estão rojando a terra

A terra sagrada, plena, aberta,

Vocês estão rojando a terra ao mar

E o mar não a aceita

O mar diz, em mim não.

Por favor, joguem pedras pequenas,

Fósseis de caramujos, joguem cascalho,

Justiça ou injustiça das pedreiras de Migdal Tsedek,

Joguem pedras macias, joguem doces torrões,

Joguem limo, joguem lama,

Joguem areia da praia, poeira do deserto,

Joguem crosta,

Joguem solo, joguem vento,

Joguem ar, joguem coisa nenhuma

Até que as mãos fiquem cansadas

A guerra fique cansada

E mesmo a paz fique cansada e fique.


(*) Poeta israelense, 1924-2000 (tradução de Millôr Fernandes)

4 comentários:

Anônimo disse...

Mr X,
Poesia interessante, seria tão bom se a guerra ficasse cansada por aquelas paragens...

Mr X disse...

O poeta é muito bom mas pouco traduzido ao português. Sei que o Millôr é grande fã e traduziu alguns de seus poemas, não sei se tem livro publicado. Tem alguns em uma coletânea de poetas israelenses com tradução da Cecília Meirelles:

DE TODOS OS VAZIOS

De todos os vazios entre os tempos,
de todas as distâncias entre as filas de soldados,
das brechas do tapume,
das portas que fechamos mal,
das mãos que não juntamos bem,
do vazio entre nossos corpos que não apertamos
um contra o outro
nasce uma extensão vasta que se desdobra,
uma planície, um deserto,
por onde nossa alma irá sem esperança, depois da morte.

Fred disse...

Putz Mr X

cabra bão esse poeta aí.
vai ver era comunista.
Aiiiiiiiiiiiiii - diz isso não pro velhinho....

Anônimo disse...

Bom ler este poeta e seu poema. Reavalio o arremesso de pedras. Melhor pedrarias? Melhor terra fofa ou farofa ou arroz ou rosas.
Vai em frente Mr., que aqui dá pra gente se ampliar (mesmo não cantando os mesmos hinos).

Cecilia