Costumo criticar muito os países árabes aqui, mas como nada tenho contra o povo árabe em si, que, como todo e qualquer povo, é capaz de produzir alguns brilhantes indivíduos. Por isso hoje escolhi publicar um poema árabe aqui. Mais: um poema de uma mulher árabe.
Nazik Al-Malaika, entre outros méritos, tem aquele de ter sido a primeira pessoa a utilizar o verso livre no mundo árabe. Nasceu no Iraque em 1922. Fugiu do país com a subida de Saddam Hussein ao poder, refugiando-se no Kuwait. Saddam, que também escrevia (péssimos) poemas, talvez tivesse inveja: invadiu o Kuwait em 1991. Após o fim da conseqüente primeira Guerra do Golfo, Malaika transferiu-se para o Egito, onde viveu até a sua morte, em 26 de junho de 2007, aos 83 anos.
Este poema que publico aqui é um tristíssimo poema sobre um tema muito atual, os "assassinatos de honra", tão comuns no mundo muçulmano e hoje acontecendo mesmo em países ocidentais sob o cândido olhar dos multi-culturalistas. Detalhe: o poema é de 1957.
Como não publiquei nada no dia 8 de março, dedico o poema a todas as mulheres, especialmente as minhas caras Confetti e Cecília, costumeiras leitoras deste blog.
LAVAR A DESONRA
"Mamãe!" Um grito, lágrimas, escuridão.
O sangue flui, o corpo apunhalado treme,
O cabelo ondulado se suja de barro.
"Mamãe!" Só se escuta o verdugo.
Amanhã virá a aurora,
As rosas despertarão;
E à chamada dos vinte anos
E da esperança fascinada
As flores dos prados responderão:
Foi embora... lavar a desonra.
O brutal verdugo regressa e diz à gente:
"A desonra?" – limpa seu punhal -
"Acabamos de despedaçar a desonra.
De novo somos virtuosos, de boa fama, dignos.
Taberneiro! Cadê o vinho e as taças?
Chame essa indolente beleza de hálito perfumado
Por cujos olhos eu daria Corão e destino."
Enche tua taça, carniceiro,
A morte lavou a desonra.
Ao amanhecer, as garotas perguntarão por ela:
"Onde está?" O assassino responderá:
"Nós a matamos. Levava no rosto
o estigma da desonra
e nós o lavamos."
Os vizinhos contarão a sua funesta história
E até as palmeiras a difundirão pelo bairro,
E as portas de madeira, que não a esquecerão.
As pedras susurrarão:
“Lavar a desonra”
“Lavar a desonra”
E nós vizinhas do bairro, garotas do povoado,
Amassaremos o pão com nossas lágrimas,
Cortaremos nossas tranças,
Descoloriremos nossas unhas
Para que as roupas deles permaneçam brancas e puras.
Não sorriremos nem nos alegraremos nem alçaremos o olhar
Porque o punhal, na mão do nosso pai
Ou do nosso irmão, nos vigia
E amanhã, quem sabe em qual deserto
Nos enterrarão para lavar a desonra?
sábado, 15 de março de 2008
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6 comentários:
Triste mesmo... :(
chose obrigada, lindo poema cheio de dor...queria que as sista arabes pudessem viver sem algemas...((
parece que ouvi a musica do harém...as odaliscas chorando....
Pô, desengonçado, coloca uma coisa alegre aí cara. Tá deprê? Vai pescar.
Pô gente,
Mas poemas tristes são sempre ou quase sempre mais bonitos que poemas alegres...
E vocês perceberam que Al-Malaika em português soa igual a "alma laica"?
Pelo fim dos "assassinatos de honra"!
X,
sem falta deves enviá-lo ao Bourdukan.
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