sexta-feira, 14 de março de 2008

Enquanto isso, no Tibet


Protestos no Tibet... Repressão da polícia chinesa... Uma morte. Curioso, são tantos os que gritam contra a tal "ocupação" de Gaza que nem está mais ocupada, e tão poucos os que dizem algo que seja contra a ocupação do Tibet pelos chineses... Que já avisaram que não vão largar o osso jamais. Mas já se sabe, há causas célebres, e outras nem tanto... E a China controla fortemente o que se pode e o que não se pode mostrar, de modo que, paradoxalmente, as sociedades em que há mais liberdade de imprensa terminam sendo mais criticadas do que as que censuram tudo fortemente.

(Curiosidade, o livro "Tintin no Tibet" chegou a ser publicado na China com o título "Tintin no Tibet Chinês"... Até que protestos da herdeira de Hergé forçaram a troca pelo nome original.)

12 comentários:

Pax disse...

É, o eventual novo Império do Século XXI não é fax não.

|3run0 disse...

Para certo tipo de gente, algumas tragedias são mais trágicas que outras. Eu escrevi sobre isso ano passado:

O mundo esteve e está cheio de guerras sanguinárias, mas o interesse que cada uma delas desperta tem pouco a ver com a número de mortes ou a destruição causada. Alguns conflitos são estrelas, com cobertura constante dos paparazzi da reuters. Cada morte é anunciada como um prenuncio do apocalipse, assim como foram as 100 anteriores e serão as 100 seguintes. Reporteres sem folego correm com seus coletes a prova de bala para anunciar os boatos e informação desencontrada que surgem após cada incidente. Sagazes colunistas interpretam os eventos como prova cabal da justeza de suas opiniões, sejam elas quais forem. E guerras verbais de um detalhismo quase barroco são travadas a respeito na internet.

Outros conflitos trabalham como garçonetes, e deixam curriculos que nunca são lidos na portaria da TV Globo. Alguem se lembra do separatismo na Abkhazia? Guerra em Nagorno-Karabah? A batalha de Badme? A insurgencia montanhesa em Myanmar?

Mas os conflitos mais frustrantes são aqueles que as vezes arranjam trabalho de figurante, já fizeram uma ponta em um curta, mas que ninguem reconheceria na rua. São guerras sobre as quais o mundo está ciente o suficiente para saber que algo horrivel está acontecendo, mas não preocupado o suficiente para fazer algo a respeito. A guerra no Congo, que começou como uma continuação do genocidio em Ruanda, foi deste tipo. A guerra civil no sul do Sudão foi outro. Ambos terminaram, ou estão dando um tempo, depois de matar mais gente cada que todos os conflitos no Oriente Médio de 1914 até agora. Mas, ei, alguem viu o video da tal Cicarelli? E o Ronaldo tá gordo pacas...

No Sudão, a guerra civil contra os animistas e cristãos do sul durou décadas e matou de 1 a 3 milhões de pessoas entre 1955 e 2005 (com uma pausa entre 72 e 83). E quase ninguem, seja o Ocidente, a União Africana, a Liga Árabe, ou a China, deu a mínima. No final, uma aliança entre evangelicos e lideranças negras conseguiu fazer o governo americano por pressão nos dois lados por tempo suficiente para que um acordo de paz fosse assinado. Foi provavelmente a única iniciativa decente do governo Bush em matéria de politica externa, mas a guerra no sul acabou.

A guerra em Darfour começou logo em seguida, mas as tensões subjacentes existem a tempos. A divisão entre ‘negros’ e ‘arabes’, assim como qualquer outra divisao racial, é um artefato cultural, mas o preconceito é bastante real. Os ‘negros’ são tribos de agricultores, e os ‘árabes’ são tribos de pastores. Como o Sahel está se desertificando rapidamente, o conflito por terra e agua vem se intensificando, com o governo central em geral tomando partido das tribos ‘árabes’. De modo mais geral, as minorias no Sudão sempre ficaram de fora da divisão dos espolios em Cartoom (chamar aquilo de governo é muita caridade), mas as coisas pioraram muito desde que o Bashir e co. tomaram o poder, e começaram com a lenga lenga salafista. Quando ficou claro que Darfour seria excluido do acordo de repartir a renda do petroleo entre norte e sul (o petroleo fica quase todo no sul), os rebeldes atacaram. A resposta do governo foi armar milicias arabes (os Janjaweed), e apoia-las com logistica e helicopteros de ataque. O numero de mortos é dificil de determinar com certeza, estimativas vão até 400.000, com 2 milhões de refugiados, internamente ou no Chad. Mas, novamente, ninguem dá a mínima.

Darfur é um dos cantos menos estratégicos do planeta. O governo Sudanês tem cooperado com os EUA desde que expulsou o Bin Laden em 1998, a China explora o petroleo Sudanes, em troca de armas e cobertura diplomatica, e a Russia (assim como a China) acredita no direito soberano de cada pais de massacrar o próprio povo. Para a esquerda engajada um conflito que não envolva os americanos não conta, então não esperem grandes passeatas. Também não esperem protestos furiosos na liga árabe, porque o massacre de milhares de muçulmanos em um dos paises-membro só é significativo se cometido por judeus ou ocidentais.

No final da conta, Darfur não importa para quase ninguem, e quase ninguem se importa com Darfur. As razões são bastante obvias, mas as desculpas apresentadas são muito criativas.

Mr X disse...

Pois é Bruno...

Você tem toda razão.

Eu tenho também outra teoria, é a mídia e os interesses políticos que ditam com qual conflito nos "devemos preocupar".

Se um conflito é mostrado, discutido e analisado 24 hs por dia, claro que vai causar mais preocupação do que um sobre o qual ninguém sabe nada. A China não quer mostrar o que acontece no Tibet (ou com seus próprios radicais muçulmanos) e consegue.

Já podendo ficar em confortáveis hotéis em Israel, a mídia dá cobertura 24 h por dia à questão palestina, e além disso, é do interesse de todos, árabes especialmente mas também europeus, de desviar a atenção para lá e manter o tema sempre na mídia. Claro que com tanta cobertura a respeito, e nenhuma nota sobre o Darfur ou o Tibet ou o Congo (lugares onde o acesso é difícil, os jornalistas morrem, não se fica famoso e se pode pegar malária, há censura e governos autoritários que impedem a cobertura), acontece isso.

Além do mais, todos parecem querer usar a questão israel vs. palestina para dar seu palpite, todo europeu ou presidente americano que pretende dar uma de estadista vai lá se meter no meio pra arbitrar o conflito. Acho que isso mais prejudica do que ajuda.

Mas com a China ninguém quer se meter...

Anônimo disse...

Maravilha, Bruno. Além de muito bem escrito, estou aprendendo um monte contigo. Assinaria embaixo.
Parabéns.

Anônimo disse...

"E a China controla fortemente o que se pode e o que não se pode mostrar, de modo que, paradoxalmente, as sociedades em que há mais liberdade de imprensa terminam sendo mais criticadas do que as que censuram tudo fortemente."

traduz mrx...whts the point ?

|3run0 disse...

Confetti, acho que o que Mr. X quer dizer é que, em (e.g.) Israel um reporter pode ligar para a organização de direitos humanos Betselem e descobrir quantos Palestinos foram mortos pelas IDF e como; ou pode entrar em Gaza e entrevistar membros do Hamas. Já na China, ninguem sabe quantos morreream em Lhasa, e quem mencionar o Dalai Lama (quanto mais entrevistá-lo) estará no primeiro voo para fora de Pequim.

Apesar de tudo, isto é melhor para Israel, e pior para a China.

Anônimo disse...

ahan...tudo muito correto, sem manipulaçao nenhuma né bruno....sei...

|3run0 disse...

Confetti, não entendi o seu último comentário.

Mr X disse...

Tambem nao entendi. :-(

A contagem subiu pra 80-100 mortos no Tibet :-(((

Mas vai provavelmente terminar como em Burma/Mianmar...
http://fallbackbelmont.blogspot.com/2008/03/hey-santy-ana.html

Oi Cecilia!
O Bruno tem um blog legal, vou colocar na blogroll também.

|3run0 disse...

Obrigado Mr. X, pelo elogio e pelo link! Alias, se alguém conseguir me dizer sobre o que é o meu blog, ganha um brinde ;-). Meus ultimos posts trataram de:

- O Campus Party
- O eclipse lunar
- Meu filme de Zumbi
- Suco de cérebro
- A falência da dicotomia direita-esquerda
- Como enlouquecer uma mulher na cama
- 14/3 - Dia de falar como um físico

E estou preparando um post sobre o Líbano agora...

BTW, eu já devia ter feito isto antes, mas vou linkar o seu blog e o do Pedro Dória tb.

Anônimo disse...

Mr. Xixi, matar palestino poooooóde. Vai te catar.

Mr X disse...

Matar terrorista palestino? Não só pode como deve.