O brasileiro simples formou do esquerdista patrício uma imagem inteiramente irreal. O pai de família imagina que um socialista tem uma barricada em cada bolso. Eu próprio, no 31 de março e 1 de abril, andei tecendo fantasias hediondas. Imaginava que o sangue jorraria e que as ratazanas iam sair dos ralos para bebê-lo. E não se derramou nem groselha.Ou ainda:
Só muito tempo depois eu descobriria a verdade, que é a seguinte: - as nossas esquerdas não têm nenhuma vocação do risco. E possuem a vocação inversa da segurança. Ainda ontem, falava eu da sábia distância que vai do Antonio's ao Vietnã. Aí está tudo dito. E, assim, sem arredar pé do Antonio's, e bebendo cerveja em lata, as esquerdas não morrerão jamais.
O leitor há de perguntar, com irritação e escândalo: "Mas elas não fazem nada?" Responderei: - "Fazem." Insistirá o leitor: - "E fazem o quê?" Direi: - "Autopromoção". É a pura verdade. A esquerda não sai por aí, derrubando bastilhas e decapitando marias antonietas, porque está ocupada em se autopromover.
Temos uma massa de intelectuais. Numericamente, não estamos atrás de ninguém, nem da União Soviética. Na Rússia há, registrados, seis mil e tantos escritores (e o sujeito que não foi registrado não é escritor. Mesmo que tenha escrito A divina comédia, não é escritor).Nelson Rodrigues era um profeta que via o óbvio. Mas o que aconteceu no fim foi o seguinte: as esquerdas não só sobreviveram, como venceram. Estão no poder e dominam 99% do discurso.
Pode parecer que, numericamente, a União Soviética está à frente dos Estados Unidos. Dos Estados Unidos, talvez. Do Brasil, não. Vocês se lembram da última passeata. Antes do desfile, fui ver a concentração. Levei comigo o Raul Brandão, pintor de grã-finas e igrejas. E espiamos o espaço reservado aos intelectuais. Parecia uma massa de Fla-Flu. Jamais nos ocorrera que a "inteligência brasileira" fosse tão abundante. No seu horror, o Raul Brandão perguntava: "Tudo isso é intelectual?"
Fomos olhar, outra vez, a tabuleta. Lá estava escrito, acima de qualquer dúvida ou sofisma: - "Intelectuais." Portanto, os intelectuais eram intelectuais. E então, passo a passom, tratamos de identificar os nossos poetas, os nossos ensaístas, os nossos dramaturgos, os nossos sociólogos, os nossos professores. Eis a lamentável e quase grotesca verdade: - depois de buscas ingentes, não identificamos ninguém. (...)
Quem devia estar ali era a Academia Sueca, apalpando, farejando, a "literatura brasileira". Se pose é um dado válido, todo mundo ali era Proust, era Joyce, era Balzac, era Cervantes. Uns ficavam de perfil, outros de frente, outros de três-quartos, outros punham as mãos nas cadeiras. Atrás de mim, o Brandão gemia: - "Como são inteligentes!" Eram, sim, inteligentíssimos.
Somado a esse fato, e provavelmente relacionado a ele também também, ocorreu uma incrível decadência cultural. Nos anos 50 e 60 apesar de tudo ainda existiam ótimos escritores e intelectuais no Brasil: Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues, Otto Lara Resende, Sabato Magaldi, Lúcio Cardoso, Manuel Bandeira, etc. Na música, Tom Jobim, Vinicius de Moraes. Hoje o maior intelectual do Brasil é Paulo Coelho. E o grande fenômeno musical é a dança do créu.
Nelson Rodrigues tinha um conselho aos jovens: "Envelheçam". Eu tenho outro: "Leiam as crônicas de Nelson Rodrigues".
5 comentários:
Nelson Rodrigues e Paulo Francis deixaram saudades, independente das suas posições políticas.
Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi deixarão o que mesmo?
Sensacional!
Caricato, mas um tanto verídico.
Será que ele fez algum texto debochando da ditadura?
Se o fez, virarei seu fã.
Reinaldo de Azedume e Diogo Maimerdi vão ao encontro do raciocínio do X-Mister: a decadência intelectual do Braziu.
Pax e Diogo, deixem de ser esquerdistoides, comecem a ler, a se informar, a usar da lógica, da razão. Está cada vez mais difícil arranjar interlocutores sadios nessa praça. O que restará a vocês, apoiar Chaves e o Evo Cocaine? Tenho certeza que vocês fazem isso de afetação, não podem estar falando sério.
Ora, caro chest, use você a razão e concorde que os dois citados acima são dois desacreditados amargos.
Pelo que posso perceber, o X compartilha de muitas idéias com eles, o que não me impede de achar agradável vir aqui, ler seus posts e comentar.
Já do palavrório raivoso deles quero distância.
E, sim, gostaria que o Nelson Rodrigues fosse uma metralhadora giratória que atirasse para todo lado - pode até ser que fosse, não sei.
Me parece que para ser genial, há que se pairar acima do cotidiano engajado.
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