sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Será que sou um self-hating Latino?



Estava em uma roda de doutorandos latinoamericanos, quando de repente, no meio da conversa, descobri algo muito triste. Não tenho grande identificação com a cultura na qual supostamente nasci e cresci. Fora músicas antigas, não gosto muito de samba, muito menos de pagode ou axé, e a música contemporânea brasileira com seus funks e lenines me causa alergia. Gilberto Gil, então, é de lascar.

Minha relação com a cultura hermana latinoamericana é ainda pior. Tango, tudo bem, mas salsa, regueton e merengue são abomináveis, e nem falemos da cultura que acha graça em ver crianças realizando danças sexuais (sim, isso acontece também no Brasil). Não danço nem jogo futebol. Raramente gosto de cinema brasileiro. Não gosto de comida mexicana ou baiana. Escritores latinoamericanos? Alguns me interessam, mas muito poucos, diria que não mais de quatro ou cinco. Gosto em termos gerais do Brasil, mas é mais devido aos amigos que tenho aí; não posso dizer que esteja orgulhoso do país. Não sinto grandes saudades da América Latina morando aqui fora. Tenho mais curiosidade em conhecer a Austrália ou o Japão do que a Guatemala ou o Peru. Devo sentir-me culpado?

Os judeus falam em "self-hating jews", isto é, pessoas que odeiam ou rejeitam a própria cultura e religião. Seria também o meu caso em relação à latinidade? Bem, na verdade, eu não odeio nada. Simplesmente não me identifico demasiado com essa cultura alegre e faceira, só não sei por quê. Talvez eu devesse ter nascido em algum deprimente país escandinavo. (Tampouco posso dizer que me identifique com a cultura norte-americana, no entanto. E não nego ter várias características brazuco-latinas, como a preguiça, a impuntualidade e a informalidade.)

Sei que meu caso não é único, e que são vários os que têm esse mesmo sentimento ambíguo em relação ao Brasil e à América Latina em geral. A maioria do pessoal de classe média aí no Brasil que conheço odeia carnaval e capoeira, não assiste cinema brasileiro e tem referências culturais que vêm quase todas de fora.

Pergunto-me: será que, ao menos desta vez, os esquerdistas não estão corretos? Será que os que reclamam eternamente do Brasil não são todos uns direitistas antipatrióticos que envergonham-se do país e preferem fazer turismo em Paris e New York? Elitistas que desprezam a Cultura do Povo e preferem formas artísticas burguesas ultrapassadas, ou simplesmente o imperialismo cultural yankee?

Por outro lado, qual a opção? Ser como o cara aí da foto abaixo?

Gulp.

27 comentários:

Cláudio disse...

"Será que os que reclamam eternamente do Brasil não são todos uns direitistas antipatrióticos que envergonham-se do país e preferem fazer turismo em Paris e New York?"

Este sou eu. Se eu pudesse eu passaria ainda mais tempo fora daqui do que já passo num ano.

Meu único vínculo com o Brasil, fora a família, é um pequeno grupo de pessoas das quais eu gosto muito. De resto, gosto de algumas coisas mas estas não são imprescindíveis. Não diria que sou antipatriótico, pois minha maior revolta é conhecer países que não têm a metade do potencial do Bananão com desempenho infinitamente superior.

Infelizmente este país, como aparentemente o resto quase todo da América Latina, vai passar por um longo (e talvez interminável) período de retrocesso. Para muitos está bom assim. Resignado, me contento em observar tudo do alto, do avião, quando em rumo à civilização.

Fabio Marton disse...

Ora, por que eu seria um self-hating latino? Eu não me odeio!

DD disse...

A noção clássica de "cultura", como o próprio nome sugere, implica a resistência ao meio e à natureza selvagem pelo trabalho incessante e incansável sobre algo - sobre si mesmo, enfim -, tal como faz o lavrador com a terra. O que vemos nesse vídeo vomitivo é o exato oposto: gente cedendo alegremente às pressões do meio e a apetites, hum, difusos. A rigor, jamais poderíamos chamar esse esfrega-esfrega de cultura, e o fato de quase termos perdido o horizonte clássico da palavra já é, por si só, significativo.

Nada é mais revelador da agudíssima incompreensão do que sejam cultura e civilização pela intelligentsia brasileira do que a declaração Darcy Ribeiro, que dizia sermos uma "Roma tropical", dando a entender que, pelos portugueses, deu-se continuidade à miscigenação que caracterizou os últimos séculos do Império. Ele acreditava que apenas uma coincidência de "circunstâncias étnicas" fosse capaz de nos conferir um status semelhante ao dos romanos. Ora, o que sustentava o mundo romano eram coisas bem diversas, como o seu sentimento de inferioridade face aos gregos (i. e., a sua paciência para aprender com outros, mais civilizados), a solidez de suas instituições e o vislumbre constante dos antepassados. Não temos nada disso por aqui. Pelo contrário, a experiência mais tipicamente brasileira e latino-americana é a orfandade real e cultural (a ausência de grandes pensadores, que nos indiquem o caminho a seguir, algo no mesmo espírito dos Founding Fathers dos EUA). Não é mero acaso, portanto, que se busquem sempre grandes pais na política, uma vez que eles inexistem na realidade. Não somos uma Roma tropical: somos uma Tailândia ocidental.

Na minha modestíssima opinião, se quisermos nos ver livres dos nossos grandes problemas, como o sensualismo abjeto, a preguiça, a ignorância orgulhosa, etc., teremos de ser alunos muito humildes dos gregos e dos romanos nessas questões, além, claro, dos europeus e dos americanos. Mas devemos nos furtar da tentação de "copiar" as suas soluções, procurando, em vez disso, reter o que houver de essecial nessas experiências. Aí, possamos viver num país em que os órfãos sejam a minoria.

Fabio Marton disse...

Se do dia para a noite todos os latinos se tornarem fãs inquebrantáveis de heavy metal, o que será considerado mais latino, rumba ou heavy metal? Bem, o piano é um instrumento europeu, mas virou até piada por sua "latinidád" com David Chapelle.

Qual é a solução, portanto? Carajo, sea tu mismo! Be your fuckin' self! Seja você mesmo, idiota!

O que é latino não é o que você deve buscar fazer ou entender ou catalogar. O que é latino é qualquer coisa que você vier a fazer. Simplesmente porque porque você é uma porra de um latino. Pense no grafitti paulistano, vinhos chilenos, literatura argentina, nada disso foi pensado para se adequar a qualquer estereótipo. São coisas que aconteceram e são também "latinas".

O passado da América Latina é ter sido um plantation, uma bananolândia, as coisas mudaram, façamos um futuro disso. As vida muda, a cultura muda, o mundo muda. Pensem nos japoneses e coreanos.

E se alguém disser que você devia parecer mais com algum estereótipo, já viu como os negros americanos reagem a isso? De ouvir que "quase nem parecem preto"? Pra onde eles mandam? Pois é.

Rolando disse...

Acredito que devamos respeitar o lugar em que vivemos. Ou seja: contribuir ou pelo menos não tentar bagunçar. Fora isso, vira e mexe me vem à mente a ideia do patriotismo/nacionalismo. Estou longe de ser um ufanista, mas não me livrei totalmente desse sentimento.
Mas viajando pelo Brasil, afora o idioma, que realmente é algo muito marcante para qualquer pessoa, me ponho a questionar essa tal brasilidade.

Também não sou muito chegado em vários ritmos brasileiros. Embora escute merengue e outros ritmos latinos, odeio batucada brasileira (sobretudo axé). Gosto de vaneirão, mas acho purismo tolo esse negócio de usar bombacha e outros trajes típicos. Gosto muito da comida daqui (churrasco, massas, feijoada, ovo frito, docinhos e salgadinhos). Mas pratos muito nativistas também não me atraem.

Filme nacional é um saco. Sempre é violência produzida pela miséria ou histórias de um sertão folclórico e mágico. Passo longe de recitações de cordel e tenho certa ojeriza a esse tão celebrado sincretismo religioso brasileiro.
Embora ache o Rio uma cidade bonita, e seu povo com um sentido de humor muito espirituoso e "esportivo", não gosto do jeitão carioca. Aquela informalidade toda (e também a brasileira) em grande parte é a responsável por nossa ostensiva burocracia e cultura cartorial. Trabalho com cariocas, e percebo essas qualidades acima mencionadas.

Gosto muito da língua portuguesa, sobretudo para escrever. Se fosse para me identificar culturalmente, antes de brasileiro, me considero platino: valores ocidentais, mas não puramente europeu, com temperos nativos frutos da mistura e intercâmbio com culturas mestiças, indígenas e africanas (ma non troppo).

Também acompanho o que ocorre nos países do cone sul. Gosto da cultura hispânica, mas tenho um pé atrás com a cultura andina. E também com aqueles que proclamam latinidad. Pois no fundo se torna um monopólio enlatado de uma patotinha, tal qual no Brasil, de apenas algumas cidades ou estados do país.

Há muitas facilidades por aqui, mas se tiver que morar num país legal para o meu gosto, com um bom emprego, não hesitaria em partir. O ser humano também é muito adaptável, inclusive seu senso de pertencer a um lugar.

Fabio Marton disse...

Ah, sim, eu não tenho absolutamente vergonha nenhuma pelo reggaton ou por Gilberto Gil, pelo mesmíssimo motivo que não vejo qualquer razão para gostar deles. O que diabos me une a essas pessoas? Eu gosto de comida baiana e mexicana, gosto de feijoada, mas não tenho qualquer sentimento patriótico ao consumir esses quitutes.

Eu me incomodo, sim, quando Lula, democratimente eleito, tenta fazer a gente ser amigo da Coréia do Norte e do Irã. Isso é sério. Mas "cultura" enquanto países é anedota do Ary Toledo.

Por que diabos deveria me fazer mais ou menos feliz, digamos, Machado de Assis, Siron Franco ou Vik Muniz serem gênios? (Não precisam concordar com a lista). O que eu ou o Brasil temos que ver com sua genialidade?

Só me incomoda não termos gênios da literatura porque é preciso bons livros em sua língua para haver uma tradição em que se inspirar a escrever nessa língua. Ler só em inglês não faz você um bom escritor em português.

E acho que o que FODE, uma das maiores causas de nossa MEDIOCRIDADE é as pessoas terem de provar IDENTIDADE local antes de terem julgados seu mérito.

Chesterton disse...

Epa, tem coisa boa sim

http://www.youtube.com/watch?v=9oEjsqyayUA

DD disse...

Concordo com o Fábio quanto às possibilidades de mudança. O Brasil ainda é uma terra virgem. Mas só é possível proporcionar mudanças quando não se está isolado. Desde que o ambiente a seu redor não o destrua. O pensamento de rebanho, aqui, tem um poder imenso, capaz de paralisar boas ideias surgidas de indivíduos. O Brasil já teve Mauá, Rui Barbosa, os Mattarazzo e Monteiro Lobato, por exemplo. Todos foram boicotados e tiveram sua memória atirada à lama.

Cláudio disse...

É impossível fazer de conta que o cenário que nos cerca não tem nenhum efeito sobre o comportamento de cada indivíduo. É isso, no final das contas, que fazem os EUA serem os EUA e nós... Bem, nós sermos o Bananão.

Chesterton disse...

Claudio, esse determinismo(?) não é coletivismo?

DD disse...

Na boa, se alguém estiver com saco para me explicar como é possível ter uma visão da sociedade meio darwinista e, ao mesmo tempo, ser liberal (no sentido primeiro da palavra), eu agradeceria. Na verdade, eu até entendo alguns pontos que podem servir de conciliação entre as duas coisas, mas gostaria de ver alguém escrevendo sobre o assunto. Ou, sei lá, alguém poderia me indicar uns autores que tratem disso.

De minha parte, sempre me pareceu que as duas tendências, quando levadas a extremos, se contradizem mutuamente. Mas, de todo modo, eu posso estar muito, muito enganado.

Alguma luz, por favor?

Mr X disse...

Segundo os darwinistas, não há livre arbítrio, e portanto não pode haver liberalismo.

http://www.youtube.com/watch?v=0rugGS4B5Gs&feature=channel_page

Chesterton disse...

Sempre achei quue o Homem deveria ter uma dimensão heróica (against all odds).
Baltazar, o artilheiro de Deus, quando perguntado sobre o penalti que havia perdido no jogo anterior, respondeu:
-Deus está guardando algo melhor para mim.
Aí, fez este gol

http://www.youtube.com/watch?v=AMHGkrvtI2o

DD disse...

Chest, só não foi mais heroico porque foi contra o São Paulo.

Fabio Marton disse...

X, deixe eu ver se eu entendi. Você acredita que aceitar a teoria da evolução necessariametne conduz a acreditar que não existe liberdade. Que TODOS os que não acham que a gente foi feito de barro soprado por Deus acham que somos robôs, como esse cara do vídeo. Portanto, o sistema moral que você defende baseia-se em negar um fato altamente comprovado e reconhedido da ciência. Isto é, você defende um sistema moral que parte do pressuposto que é necessário se recusar conscientemente a realidade ao invés de encontrar respostas através dela. É assim mesmo?

E como se explica o livre-arbítrio diante de um Deus que sabe do futuro e que, esta escrito, "não cai uma folha" sem Seu consentimento?

DD disse...

Só para pôr lenha na fogueira, seria legal que dessem uma olhada nisto:

http://scienceblogs.com/omnibrain/upload/2007/03/Fodor_Against_Darwinism.pdf

Mr X disse...

Epa! Mas não sou eu quem está dizendo isso, é o professor do vídeo.

Mas eu não sei mesmo se temos livre-arbítrio, ou dependemos de nossos genes/química cerebral, ou então de Diós. ;-)

Cláudio disse...

Chest, não porque TER EFEITO não necessariamente implica em determinar o que você é. Acredito que somos um resultado de uma mistura do nosso EU com as influências ao nosso redor. O resultado da mistura não é pré-determinado.

Chesterton disse...

Ok, sem determinismos. (acho que "odeio" determinismos)

Mr X disse...

"Yo soy yo y mi circunstancia"? O velho Ortega y Gasset estaria correto afinal?

DD disse...

A velha biologia diz:
Fenótipo = Genótipo + Meio.

Chesterton disse...

influência da genética, sim, influência do meio sim, mas sem determinismo.
Livre arbítrio, alma, sei lá, mas sempre é possível ir contra o ambiente e a genética não predomina.
Aliás, temos os gens silenciosos daquilo que não somos. Logo, Darwin estava errado.

DD disse...

Chest,

Se Darwin estiver certo, absolutamente certo, não há por que não estender a sua doutrina ao domínio social. Digo muita bobagem?

Chesterton disse...

Darwinismo = desastre social...sempre.

Gunnar disse...

Chester

Ainda sobre o livre-arbítrio.

Se REALMENTE há qualquer coisa dentro de nós completamente SEPARADA de toda a nossa genética e influência do meio, uma decisão que não se baseia em absolutamente NADA anterior... como diferenciá-la de um arremesso de dados?

O Livre-arbítrio não existe, e, se existe, necessariamente é tão meritório quanto um sorteio. Logo...?

DD disse...

Gunnar:

Já ouviu falar da distinção, existente na língua grega, entre "eidos" e "morphé"?

Chesterton disse...

De onde você tirou que livre-arbítrio tem alguma relação co sorteio? Sério, quero ver a fonte.