quarta-feira, 15 de julho de 2009

Cultura de castas

Leio em um recente artigo de Theodore Dalrymple uma interessante observação sobre como o relativismo moral e estético (tudo é igual a tudo, nada vale mais do que nada), longe de criar mobilidade, tende a manter os ignorantes na ignorância, os pobres na pobreza e os oprimidos na opressão. Nivela-se tudo por baixo. Se tudo é igual, pra que evoluir? Infla-se apenas o ego daquele que está mais abaixo de todos: dessa forma, ele continua abaixo, tudo o que muda - talvez - é a sua autoestima. Diz Theodore:

To suggest that a basketball player can be compared with Mozart is to put all human activities on the same level; and since some activities come easier and more naturally than others, it has the effect of reducing, indeed making quite pointless, any form of cultural aspiration. If what comes easily is as good as what comes only with deep effort, thought and intelligence, why go to any trouble? There is a Gresham’s law of culture: without a scale of values, the bad will always drive out the good.
Thus the intelligent flatter the unintelligent, without, in their hearts, meaning a word of what they say. What seems at first sight progressive is in fact deeply reactionary, in the worst possible sense: it does not permit or encourage social ascent, and changes class societies (such as capitalist democracies have always been) into caste societies.

Como não lembrar do Brasil, onde jogadores de futebol são vez por outra considerados "gênios"? Nada contra certos jogadores de futebol que foram ou são brilhantes, mas parece-me notar sempre uma certa condescendência, uma tentativa de compensar a sua falta de cultura com a genialidade em algum outro aspecto.

É como a celebração da "cultura da periferia" por certas almas nobres e caridosas da esquerda, que transformam o linguajar ignorante dos rappers dos guetos em alta poesia, ou a arte de vândalos grafiteiros em imagens de Boticcelli.

Não vejam aqui elitismo algum. Pessoalmente, a arte contemporânea, criada em sua maioria por uma elite social e cultural, cheia de referências pós-moderninhas, causa-me em geral apenas repulsa; e vejo em muitos casos maior valor em obras populares (e não esqueçamos, depois de tudo, que mesmo Shakespeare foi um plebeu autodidata e um autor popular - e até mesmo "comercial" - em sua época).

O que ocorre é que os parâmetros mudaram. Hoje, não havendo mais o que se considere uma "alta cultura" à qual aspirar, o pobre é incentivado a manter a sua (falta de) cultura, isto é, não tentar se elevar acima das suas possibilidades de berço. Machado de Assis, filho de mulato que ascendeu socialmente adquirindo de forma autodidata a cultura literária "européia, branca e patriarcal", hoje provavelmente seria um traficante, um jogador de futebol, ou quem sabe - estimulado pelo Ministério da Cultura - um rei das letras do funk carioca.

Futebol-arte.

11 comentários:

Cláudio disse...

"Thus the intelligent flatter the unintelligent, without, in their hearts, meaning a word of what they say."

Isso é evidente. Nem precisa se esforçar muito para achar inúmeros exemplos: no Rio, nos dias que antecedem o Carnaval e durante a folia, todos tecem altos elogios ao samba, à comunidade, etc. O samba vira a máxima manifestação cultural que pode existir. "D. Fulaninha Não-Sei-de-Onde" e "'Mestre' Algum-Nome-No-Diminutivo" são alçados à categoria de gênios, chamados a darem entrevistas sobre nada e participarem de programas de TV. Mas durante o ano, onde estão estes admiradores da cultura popular? Disputando espaço VIP nos hot-spots da cidade (se é que essa pocilga chamada Rio pode ter algo considerado hot-spot).

Gunnar disse...

Falou e disse.

Vale lembrar, no entanto, que a medida dessa escala de valores não é o dinheiro.

David Bor disse...

Muito bom post! O nivelamento por baixo começa com o próprio Lula que se orgulha de ser analfabeto...
De tanto vc falar no Dalrymple eu acabei comprando 3 livros dele.
Parece ser muito interessante...

Mesillat Yesharim disse...

Caro Mr. X,

Belo post. Realmente a deturpação de valores em que vivemos hoje (em qualquer lugar do mundo, infelizmente), leva a maioria destes "coitados" sejam pobres ou não, a pensarem e até a sentirem-se como pessoas de valor... outra coisa que me dá nos nervos é esse famigerado termo "comunidade"; Ah, e o Cláudio tem razão, o Rio é realmente uma pocilga...

Chesterton disse...

é a preguiça vencendo a diligência, o covarde vencendo o o heróico. A arrogancia do ignorante que debocha do culto. Em POA, na minha infancia, era feio conjugar os verbos da segunda pessoa do singular corretamente, as pessoas olhavam como se fossem ETs os que falavam certo.

Érick Delemon disse...

"O que ocorre é que os parâmetros mudaram. Hoje, não havendo mais o que se considere uma "alta cultura" à qual aspirar, o pobre é incentivado a manter a sua (falta de) cultura, isto é, não tentar se elevar acima das suas possibilidades de berço"

Disse tudo! O que é realmente tosco, ruim não é tido como tal, ninguém coloca a verdade, e assim não sobra algo realmente sobressalente - nada a aspirar, está sempre bom assim, mal feito, faltando nexo com os fatos, com a língua.

HRP FAST! disse...

X......quanta maromba!
Não temos mais alta cultura?
Fala sério.
Só faltou colocar o Lula nesse post!
Se voce for a Russia verá os festivais de poesia.
Na Baviera os de música.
Na Itália os literários.
Recentemente a FLIP, em Paraty.
Quanto a esse culto a cultura e produção cultural da periferia , ele nada mais é do que o canal para direcionar talentos as belas artes de verdade.
Voce ou confunde as coisas ou sofisma por má fé.

DD disse...

Eu não diria que a alta cultura deixou de existir ou que corre o risco de desaparecer, pois sempre houve e haverá gente interessada nela. O que, sem dúvida, aconteceu foi uma diminuição radical da sua relevância visível, muito acentuada a partir da década de '60, abortando o sonho setecentista de uma sociedade ilustrada. É em nome desse sonho, parece-me, que dizemos que ela está ameaçada, ou que definha, mas enquanto dispusermos de meios para conservar os tesouros do passado e tivermos critérios seguros para julgar o que se produz no presente, ela continuará acessível - a alguns, ao menos. A segunda condição é a que me parece mais problemática nos dias atuais: sem contar com critérios objetivos (que só podem ser fornecidos pelo conhecimento da tradição, e não por interpretações veleidosas) para julgar o que se produz hoje, estamos sempre correndo o risco de misturar o trigo a uma porção considerável de joio.

Mr X disse...

"O que é trigo? O que é joio? E quem somos nós para dizer que o joio é melhor do que o trigo? Seus imperialistas!!! Porcos plutocratas!!!!"

(Tiago)

Hihihi. ;-)

DD disse...

Ah, sim. Só falta o dito-cujo chamar-me hipócrita por ter eu usado uma expressão bíblica depois de tê-lo criticado por fazer isso. Eu teria, então, de diferenciar o que é uma profanação de um uso didático. Mas isso seria complicado demais para ele. E feriria os seus sentimentos.

Vale.

Mr X disse...

Oi HRP, vc por aqui? :-O