ROMANCE
Para as Festas da Agonia 
Vi-te chegar, como havia 
Sonhando já que chegasses: 
Vinha teu vulto tão belo 
Em teu cavalo amarelo, 
Anjo meu, que, se me amasses, 
Em teu cavalo eu partira 
Sem saudade, pena, ou ira; 
Teu cavalo, que amarraras 
Ao tronco de minha glória 
E pastava-me a memória 
Feno de ouro, gramas raras. 
Era tão cálido o peito 
Angélico, onde meu leito 
Me deixaste então fazer, 
Que pude esquecer a cor 
Dos olhos da Vida e a dor 
Que o Sono vinha trazer. 
Tão celeste foi a Festa, 
Tão fino o Anjo, e a Besta 
Onde montei tão serena, 
Que posso, Damas, dizer-vos 
E a vós, Senhores, tão servos 
De outra Festa mais terrena 
Não morri de mala sorte, 
Morri de amor pela Morte.  
Sinto que o mês              presente me assassina
               
Sinto que o mês presente me assassina, 
As aves atuais nasceram mudas
E o tempo na verdade tem domínio
sobre homens nus ao sul das luas curvas. 
Sinto que o mês presente me assassina, 
Corro despido atrás de um cristo preso, 
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz esquerda 
Ao beco de agonia onde me espreita 
A morte espacial que me ilumina.
Sinto que o mês presente me assassina 
E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas 
De apóstolos marujos que me arrastam 
Ao longo da corrente onde blasfemas 
Gaivotas provam peixes de milagre. 
Sinto que o mês presente me assassina, 
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora 
(Na libra escorpiões pesam-me a sina) 
Há panos de imprimir a dura face 
À força de suor, de sangue e chaga. 
Sinto que o mês presente me assassina, 
Os derradeiros astros nascem tortos 
E o tempo na verdade tem domínio 
Sobre o morto que enterra os próprios mortos. 
O tempo na verdade tem domínio
Amen, amen vos digo, tem domínio
E ri do que desfere verbos, dardos
De falso eterno que retornam para
Assassinar-nos num mês assassino.
Mário Faustino (1930-1962)
domingo, 6 de junho de 2010
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4 comentários:
Faustino escreveu esses poemas e depois morreu aos 32 anos em acidente de avião.
Conff? Taí?
POde sim.
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