segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Nós os canibais


Há uma mostra em Londres sobre Montezuma e diversos artefatos da cultura Azteca (ou, mais corretamente, Mexica) que está gerando, aparentemente, grande polêmica. Um crítico de arte chegou a comparar os Aztecas aos Nazistas, e a chamar a sua arte de repulsiva.

De fato, os Aztecas/Mexicas não brincavam em serviço. De acordo com seus próprios relatos, em um único evento que durou 4 dias sacrificaram 80.400 prisioneiros, o que daria uma proporção de executados por dia maior do que a de Auschwitz. Considerando que os sacrifícios incluíam arrancar o coração ainda pulsante da vítima, depois decapitá-la e devorar o restante do seu corpo, há razões para crer que o número real de mortos no evento não seja tão grande, mas tenha sido propositalmente inflado pelos próprios Aztecas, para criar medo e pavor em seus adversários.

De qualquer modo, a maioria dos historiadores coincide em que os sacrifícios realizados pelo império Azteca era de pelo menos 20.000 vítimas por ano, incluindo mulheres e crianças (alguns falam em 250.000). Relatos da época realizados por espanhóis afirmam ter visto imensas torres decorativas com mais de cem mil crânios humanos. De deixar Pol Pot morrendo de inveja.

Em nossas próprias paragens Tupi-Guaranis, embora não chegando aos requintes teatrais de crueldade de Astecas e Maias (estes recentemente representados em Apocalypto), a maioria das várias tribos locais também eram canibais. O exemplo mais famoso é o dos Tupinambás, graças ao relato do sobrevivente Hans Staden, mas é certo que várias outras tribos também realizavam a mesma prática de executar e comer seus inimigos. Uma das reclamações dos índios após a chegada dos portugueses é que, com a colonização e assimilação de várias tribos, já não tinham tantos inimigos para devorar.

A intelectualidade local tem certa ambiguidade em relação ao canibalismo de nossos ancestrais. Alguns, na defensiva, argumentam que os relatos foram exagerações - quando não pura invenção - dos colonizadores, para justificar a escravidão dos índios. Outros, ao contrário, assumem a pecha do canibalismo com orgulho, criando mesmo movimentos literários em seu nome e afirmam que, por pior que tenham sido os canibais, a cultura branca européia patriarcal sempre foi, é e será pior.

Cortez, genocida ou salvador? Por um lado, é certo que os espanhóis cometeram massacres covardes contra os Aztecas. Por outro lado, também é verdade que não realizaram isso sozinhos, mas aliaram-se a tribos indígenas para destruir o império Azteca, o qual vivia de explorar e escravizar as tribos menores, utilizando os cativos em seus macabros rituais.

Bem, é inútil discutir agora. Até porque o grande genocida das culturas ameríndias - de Aztecas a Tupinambás - não foram os espanhóis nem os portugueses, mas simplesmente o vírus da varíola.

4 comentários:

DD disse...

Bem, eu questiono sempre os meus alunos, quando parecem tomados do angelismo contemporâneo: "Os índios que os espanhóis e os portugueses encontraram por aqui praticavam sacrifícios humanos e canibalismo. O que vocês acham que essas pessoas, meio cristãs, meio exploradoras gananciosas, deveriam ter feito?"

Fabio Marton disse...

Só pela força militar, foram muito mais os inimigos dos Astecas que os Espanhóis que acabaram com eles. Diferente do Brasil, esses povos tinham por exemplo tecidos, decoração e uma culinária própria, que são reconhecíveis até hoje. Até pela composição genética do México, você pode interpretar a história do país como a desses inimigos dos astecas que, uma vez vitoriosos, aceitaram se tornar vassalos dos espanhóis, convertendo-se à sua religião e importando sua filosofia e tecnologia. Mesmo nos países onde os índios tinham culturas muito mais fracas, como no Brasil, você pode interpretar as coisas por esse caminho, que as tribos que não resistiram acabaram se tornando simplesmente os povos desses países - e ganharam muito com isso. Com a diferença que os portugueses deixaram sua marca genética aqui em grau algo maior que os espanhóis no México, e houve mais imigração negra e branca posterior.

Mr X disse...

É verdade. Curiosamente, no Brasil, o índio, culturalmente, no fim das contas meio que desapareceu (ou teve influência bem menor) frente à influência européia e africana. No entanto identifica-se o Brasil com o índio, os tupis, tupiniquims, etc etc.

chesterton disse...

esses dias testemunhei racismo de um guarani contra outro índio. o menino falou:
-ah, esse aí não presta, é indio
-ué, e você não é índio?
- não, eu sou guarani.