Devo confessar uma coisa: não sei viver. Emprego, família, relações afetivas, planos, todas as coisas que deveriam fazer parte de uma vida normal, para mim terminam sendo uma confusão ou um mistério e não consigo compreender quase nada do que me acontece. Faço tudo muitas vezes em uma espécie de piloto automático, sem real controle sobre o que ocorre. Às vezes nem sei se estou vivendo ou apenas tendo uma alucinação. Não sei se com todos é assim, acho que não. Espero que não.
Digo isso para explicar por que não me sinto ou me posiciono como um conservador, já que não vejo nem posso me sentir digno de dar conselhos ou explicar o jeito certo de viver a quem quer que seja, e grande parte do conservadorismo é isso, passar adiante as tradições e explicar às novas gerações o modo correto de ser e viver.
A própria questão da religião é um mistério para mim. O que sim sei é que o homem é um ser caído, podre, matéria prima bruta com a qual pouco de bom pode ser criado. Tenho para mim que qualquer pessoa, sim, até mesmo você, caro leitor, pode ser capaz das maiores atrocidades. Matar, roubar, estuprar, enganar. Ser um assassino, um masturbador compulsivo, um pedófilo! Se abandonados aos próprios instintos, sem qualquer tipo de controle ou autocontrole, somos todos devassos, nojentos, cruéis, egoístas e repulsivos.
Algumas pessoas precisam que esse controle seja externo. "Ela seria uma boa pessoa se houvesse uma arma apontada para a sua cabeça cada minuto de sua vida" (Flannery O'Connor).
E no entanto se existe o mal dentro de nós, também existe a possibilidade do bem, muito embora este seja bem mais difícil de praticar. Mas creio que há sim algo dentro de nos que nos indica quando estamos fazendo o mal, e quando o bem. Creio que esta diferença seja clara mesmo para o mais cruel dos serial killers: não é que ele não saiba o que é o bem e o que é o mal, é apenas que se compraz em fazer o mal.
De onde vem esta consciência, esta noção de um certo e de um errado? Mera memória do que nos foi ensinado na terna infância? Ou algo ainda anterior, que está dentro de nós independentemente da socialização?
Isto é ainda mais estarrecedor ao descobrirmos ao longo da vida que fazer o bem não garante nenhuma recompensa, ao menos não nesta vida, enquanto que na média os psicopatas e sociopatas obtém maior status, mulheres e bens materiais.
Tenho pensado nestas coisas e tentado conciliar com a existência deste blog que jamais teve uma orientação política ou religiosa muito clara, e não encontro uma resposta às minhas perguntas.
A ideia de que tenhamos autoconsciência e de que exista um código pré-existente de certo e errado, de bem e de mal, parece apontar para um sistema ordenado que independe de nós; para um elemento além da humanidade que nos orienta ou desorienta.
Não sei se existe "algo mais" ou algum sentido; sei que a busca de "algo mais" e de "sentido" perpassa todas as nossas atividades, e faz parte de nossa própria natureza. Mas então esta não seria já uma prova de tal existência? Se tenho sede, é por que sei que existe Água?
Ou, como melhor
disse Fernando Pessoa,
Se é falso crer num deus ou num destino
Que saiba o que é o coração humano,
Porque há o humano coração e o tino
Que tem do bem e o mal?
O curioso e por vezes estapafúrdio blogueiro
Aeoli Pera escreveu no outro dia que a ordenação da sociedade em um sistema deveria ser, em ordem de importância:
Deus > sentido > religião (moral) > genética > arte > identidade > cultura > política > economia
Porém, segundo ele, existem perversões do sistema:
Para os libertários, economia > política.
Para os marxistas, política > cultura
Para os falsos conservadores, política > identidade
Para os guerreiros da justiça social, identidade > arte
Para os fascistas, genética > religião
Para os ateus, sentido > Deus
Será que isto faz algum sentido? Não tenho certeza.
Estou sendo demasiado hermético? Acho que fico por aqui. Textos filosóficos não são o meu forte. Peço perdão por estas mal traçadas linhas, e por tudo o mais que escrevi.
Tudo isto foi só para dizer que talvez um dia se Deus quiser e me oferecer provas contundentes de sua existência eu retorne ao seio da Igreja Católica, de onde só saí por más influências atéias como Carl Sagan e Bertrand Russel, que hoje provavelmente estão ardendo nas chamas do inferno. Um dia destes me reconverterei, farei voto de pobreza e de castidade, e pararei de blogar, pois é pecado.
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Vade retro, Satanás. |