A morte do brasileiro Jean Charles pela polícia inglesa foi um erro patético, e no entanto, ninguém foi punido. Nenhum policial chegou a ser investigado individualmente e o máximo que ocorreu foi que a Scotland Yard foi multada em 100 mil libras, quantia certamente irrisória para o governo inglês.
Incapazes de diferenciar entre um etíope escuro e um mestiço indígena claro, os policiais deram 13 tiros no eletricista, sendo que 7 na cabeça. Atiraram primeiro e perguntaram depois.
Acidentes acontecem, é verdade, mas pergunto-me se as coisas teriam tido o mesmo rumo se, em vez de um imigrante brasileiro, a vítima tivesse sido um inglês branco, quem sabe o filho de algum político. Quem pode, pode, e quem não pode, vocês já sabem (rima com pode).
Embora haja certamente muitos anglos geniais, nunca gostei muito deles como coletividade. Um povo arrogante, esnobe, imperialista. Conquistaram o mundo inteiro mas juram que foi na base do "fair play". Algo dessa mentalidade pegou nos americanos, que herdaram seu império e hoje fazem "bombardeios humanitários" com meros "danos colaterais".
O etíope muçulmano que cometeu os atentados era considerado um cidadão inglês. Jean Charles era um mero residente de legalidade duvidosa. Um era um terrorista encostado no welfare, o outro um trabalhador manual.
Mas não seria a elite inglesa quem mais deveria ser punida por trazer milhares de etíopes e assemelhados para viver no Reino Unido e atormentar o cidadão local?
Os ingleses já dominaram todo o subcontinente indiano e partes da África, tratando os locais como cidadãos de segunda classe. Modernizaram tais países, não resta dúvida; mas o preço foi salgado e, hoje em dia, pouco resta do que foi construído. Será que, no fim das contas, o legado do colonialismo não foi no fim das contas ruim para ambos os lados? Não era melhor que tivessem deixado a África em seu estado pré-civilizado, ou, então, que assumissem de vez o tal "fardo do homem branco" em vez de abandoná-los depois de dar-lhes as "benesses da civilização" como granadas e fuzis?
"Africa Addio" é um filme sobre o fim do colonialismo europeu na África. Muito embora tendo sido produzido por cineastas italianos premiados (um deles inclusive havia até sido indicado ao Oscar), o filme hoje é bem difícil de encontrar. Existem na verdade várias versões. Foi lançado nos EUA apenas um uma vesão bastardizada e censurada, renegada por seus autores. Mas há mais de um corte da versão europeia também. (Tem uma versão italiana de com 140 minutos no Youtube, acredito que seja próxima do original).
O filme virou tabu. Nunca assisti o filme inteiro, e não sei se o recomendaria. É, por um lado, horrível. Tem matanças indescritíveis de humanos e de animais. Não poupa os negros, mas tampouco os brancos, que em algumas cenas também são mostrados cometendo violências atrozes. Porém, tem cenas de relevância histórica e está muito bem filmado. As cenas mostrando os milhares de corpos dos árabes massacrados pelos revoltosos negros no Zanzíbar é impactante. Mas também as da África do Sul durante o apartheid com jovens mulheres loiras correndo em câmera lenta e pulando em uma cama elástica. Para quem gosta do gênero "cinema-chocante", o filme é um prato cheio.
Uma história engraçada sobre a produção: ao filmar uma revolução na Tanzânia, os cineastas foram presos e condenados à execução. Mas aí alguém gritou, "espere aí, eles não são brancos, são ITALIANOS!" E eles foram imediatamente liberados e puderam concluir os trabalhos. (Porém, foram posteriormente presos na Itália, sob a acusação de que algumas mortes no filme teriam sido realizadas para as câmeras; foram também finalmente absolvidos).
Outro filme interessante sobre a colonização, este na África do Norte, é a "Batalha de Argel", do também italiano Gillo Pontecorvo. O filme é tão realista que muitas vezes foi confundido com um documentário, mas é ficção. Mostra atrocidades de ambos os lados, franceses e árabes.
Os italianos são (ou eram) bons em fazer filme sobre a África: "Conseguirão nossos heróis encontrar o seu amigo misteriosamente perdido na África?", do recentemente falecido Ettore Scola, é outra exame da (pós-)colonização, mas sob uma ótica mais ligeira e cômica, com uma performance como sempre magistral de Alberto Sordi, e uma mensagem ambígua: quem é o "civilizado", e quem é o "selvagem"? É o que parecem perguntar-se "nossos heróis" ao final.
A mesma mentalidade colonialista da velha elite é a que se revela hoje em dia no seio dos próprios países europeus, a única diferença é que, em vez de ir para a África atormentar/educar os nativos, agora eles estão importando-os da África para dentro da Europa para "ajudá-los", com conseqüências nefastas para todos.